quinta-feira, 18 de março de 2010

O mandato pertence aos partidos e a responsabilidade também

Por Celso Cintra Mori


Em memorável decisão de que foi relator o ministro Francisco Cesar Asfor Rocha, na Consulta 1398/2007, com votos igualmente vencedores dos ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, José Delgado e Caputo Bastos, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que o mandato eletivo pertence ao partido político pelo qual o candidato foi eleito. A rigor, a decisão não atribuiu o mandato ao partido. Apenas reconheceu, por inquestionáveis fundamentos, que o mandato é do partido. Essa declaração vinculativa, longe de ser um casuísmo, veio ancorada em sólidas bases constitucionais, e em toda uma interpretação doutrinária de princípios e causas teleológicas do Direito, inscritos na Constituição Federal. Para quem ainda não teve a oportunidade, recomenda-se a leitura da decisão que está no site do Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, o mandato é do partido. O legislador ou membro do poder executivo eleitos são, assim, além de representantes do povo com a incumbência de cumprir o programa pessoal e partidário que anunciaram, prepostos ou agentes dos partidos que os elegeram, aos quais devem fidelidade e a cujas normas regulamentares e orientação ética ou política devem disciplina.

Mas, há um velho e sábio brocardo jurídico segundo o qual quem usufrui os bônus, arca com os ônus. Em desusado latim, ubi comodo, ibi incomodo. As regras de responsabilidade civil determinam que, aquele que escolhe mal os seus prepostos ou agentes, tem a obrigação de reparar os danos causados pelo escolhido. A doutrina e a jurisprudência consagram, sem controvérsias ou vacilações, a teoria da culpa in eligendo.

Poderia se argumentar que quem elege o legislador ou o membro do poder executivo é o povo, o eleitor. Não é exatamente assim. É evidente que o voto popular é fundamental. Mas, quem faz a seleção prévia do candidato e o apresenta ao eleitor como representativo dos valores e das metas da respectiva legenda é o partido. A palavra candidato tem a mesma raiz etmológica de Candido. Puro. Ilibado e sem manchas. Quem transforma o pretendente em candidato é o partido. Quem atesta e certifica ao eleitor que o pretendente está em condições de ser candidato e está em condições de exercer função pública é o partido. Sem esse atestado do partido, o pretendente não pode sequer postular votos. É o partido que distribui a sua legenda aos filiados de sua preferência, aos quais reconhece qualificação para cumprir o programa partidário. É o partido que dispõe dos recursos financeiros provenientes do Fundo Partidário, e os disponibiliza para os candidatos.

É o partido que tem direito a determinado tempo de audiência no rádio e na televisão e faculta aos candidatos da sua escolha o maior ou o menor uso desse tempo, com a possibilidade até de supervisionar as promessas que serão feitas ao eleitor. Não fossem suficientes as vinculações legais, os fatos apresentam o partido como fiador do candidato.

Os compromissos do candidato são compromissos do partido, e vice versa. Ademais, muitos candidatos são eleitos sem que um número mínimo de eleitores os escolham, sem que atinjam o quorum suficiente. Alçam-se à função eletiva pelos votos conferidos à legenda. Ou seja, são literalmente eleitos pelos partidos.

Além da culpa pela escolha, o Direito também estabelece a responsabilidade civil pela omissão no dever de fiscalização e vigilância. Culpa in vigilando, diz a linguagem técnica.

O eleitor, depois que o candidato foi eleito, pode fazer relativamente pouco contra os atos que reprove. Não existe no direito brasileiro o chamado recall do mandato, ou seja, o direito de o eleitor exigir que o eleito, em determinadas circunstâncias, se submeta a uma confirmação, ou não, do mandato. O máximo que o eleitor pode fazer com eficácia é não votar no governante ímprobo ou incompetente, nas próximas eleições.

Mas, durante o exercício do mandato o partido pode fazer muito para coibir condutas inadequadas do governante, que por lei lhe deve disciplina. Se o partido nada faz, no exercício do seu poder e do seu dever de fiscalização dos candidatos que elegeu, responde civilmente pelos danos causados ao ente público onde o mandato se exerce e pelos danos difusos, materiais e morais, causados à sociedade.

Portanto, nos casos de corrupção e até culpa grave por absoluta incompetência ou despreparo, os partidos políticos são solidariamente responsáveis pelos danos causados por aqueles que exercem mandatos pertencentes aos partidos. A responsabilidade civil do comitente pelos atos de seus prepostos é objetiva. Basta que se prove a responsabilidade do preposto e a responsabilidade do comitente estará estabelecida, sem necessidade de outras provas.

O Ministério Público tem a obrigação, e os demais legitimados para as ações civis públicas de reparação de danos têm a possibilidade, de exigir a reparação cabível, do governante que pratica atos ilícitos. Reparação material e moral.

E, nesse caso, o partido político que pelo qual o governante tenha sido eleito, ou em cujo nome exerça o mandato, tem responsabilidade solidária e é litisconsorte necessário.


Fonte: http://www.conjur.com.br/2010-mar-18

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